LARGO ILÍDIO DE CARVALHO OU LARGO MAGALHÃES – ANTIGO LARGO DA FONTE VELHA

Ilídio Duarte de Carvalho foi uma interessante personalidade do seu tempo, tendo-se notabilizado por uma intensa intervenção na poesia e no teatro amador.
Ainda criança, nasceu em 6 de Dezembro de 1868, foi estudar para o Seminário de Leiria de onde transitaria para o de Coimbra. A adolescência terá transmitido a Ilídio de Carvalho mensagens diferentes da vida e resolveu abandonar os estudos seminaristas, empregando-se como escriturário na Real Fábrica de Vidros. Por aí permaneceu até à fundação da Nova Fábrica de Vidros (Fábrica Nova), para onde foi trabalhar a convite do Conde de Azarujinha, então decidido a passar para esta fábrica os melhores empregados da velha Real. Foi aqui Guarda-Livros durante muitos anos.
Membro de uma família de grande vocação artística, os Carvalhos, Ilídio, desde muito novo se iniciou a escrever poesia. E foi através dessa paixão que desenvolveu uma vasta colaboração com os jornais regionais do tempo, nomeadamente o "Jornal do Distrito de Leiria".
Entre 1908 e 1910, escreveu para os mais importantes jornais da capital como "O Século", "Diário de Notícias " e "Diário Popular", na qualidade de correspondente. A sua atenção aos acontecimentos locais, fez com que jornais de grande divulgação como os citados, publicassem, neste período, mais de meia centena de pequenas notícias sobre uma quase desconhecida freguesia do concelho de Leiria, o que muito ajudaria a divulgar a nossa região.
Ilídio de Carvalho contribui desta forma para a propaganda do nome da Marinha Grande, pelos quatro cantos do país, formando a crescente e necessária consciência à volta do movimento de restauração do concelho.
Ilídio de Carvalho participa ainda como sócio na fundação da Vicris - Sociedade Portuguesa de Vidros e Cristais, L."..
O "teatro de revista", que se tornou tipicamente português, tinha aparecido com a exibição da peça "Fossilissimo e Progresso", representada no Teatro Ginásio de Lisboa, em 6 de Janeiro de 1856. Era uma peça em que Manuel Roussado, o autor, procurava passar em revista, através da formação de um quadro de sabor popular, a crítica aos principais acontecimentos, neste caso os de abrangência nacional. Tratava-se de um poder muito peculiar que o povo adquiriria gradualmente através deste género teatral e passaria a dispor regularmente como forma de manifestação da sua vontade, quer de poder de intervenção, quer ainda da possibilidade de construir uma corrente crítica, muitas vezes mordaz, como reivindicação de direitos.
Ilídio de Carvalho, dando início a esta brilhante faceta, escreve e apresenta ao público duas interessantes comédias, que a seguir se comentam, e que o autor classificou de "revista", como se pode observar pelos últimos versos cantados ao encerrar uma das cenas.
Ilídio Duarte de Carvalho, muito culto e atento ao desenvolvimento desta extraordinária forma de teatro que se ia verificando na capital, produz os seus dois primeiros "ensaios" que irá levar à cena na Marinha Grande.
A primeira, intitulada "Memórias da Marinha Grande", era representada pelas figuras mais conhecidas da vida social marinhense como Alda Affonso de Barros Ferreira, Maria Celeste Mathias, Lydia Pereira de Carvalho, Alice, Leonor e Adelina Vaz e Gândara e João Mathias.
No conteúdo da peça pode assistir-se a uma cena passada no interior de um Hotel da época (provavelmente o Hotel Azul da Marinha Grande), declamando-se interessantes diálogos onde a figura central é uma senhora de visita à vila, providenciando saber tudo sobre a "Manchester" portuguesa.
Diálogo de certo modo satírico e mordaz, acompanhado a espaços por algumas intervenções musicais. Esta peça, num só ato, foi representada no antigo Teatro Stephens no dia 25 de Janeiro de 1914.
Na outra peça, também num só ato, com o título "Pontos e Vírgulas - Scenas da Vida Marinhense", participaram os mesmos atores da primeira. Aqui a cena desenrola-se no interior do salão de biblioteca de D. Bárbara, figura de ficção, durante um chá social.
As visitas habituais da casa, também recriadas, mas denunciando o ambiente social da vila, vão chegando e sentam-se em redor da mesa redonda no centro do salão, enquanto a dona da casa dá as últimas ordens a Luísa, a criada, que se apressa a preparar o chá.
No decorrer do habitual encontro de amigas, cada visita lança no diálogo a sua opinião sobre as últimas novidades sociais ou políticas e, em segredinho, aos cantos do salão, os mais recentes escândalos protagonizados pelas amigas vão-se divulgando sempre com um ar mordaz e acutilante, desenvolvendo, dentro deste estilo, um interessante ambiente de crítica e escárnio. A cena abria com uma canção e, depois, outras três intercaladas nos textos e, ao cair do pano, cantava-se:
"...Nós somos a graça
Que diz a verdade;
A revista passa
E fica a saudade."
Estamos perante a manifestação da apurada perspicácia que o autor aplicava aos seus textos, ora apontando críticas sociais acutilantes e, porventura, incómodas ou, ainda, glosando com a atividade política que, na Marinha Grande, fervia por aqueles tempos depois da boa nova da República.
A ação musical, ora entrecorta ou acompanha os diálogos, cria um ambiente teatral muito ao estilo do "Vaudeville" tradicionalmente francês. Esta peça foi apresentada ao público, segundo cremos, em 1913.
Nestes termos, Ilídio Duarte de Carvalho terá, a partir daqui uma influente intervenção na cultura da Marinha Grande não só pelo espetáculo em si, que produzia, mas muito mais pela qualidade dos seus textos e das encenações, como ainda pela possibilidade, tolerada através do teatro, de criticar abertamente o que entendia censurável, na sociedade da Marinha Grande.
Queremos acreditar que estas foram as duas primeiras peças chamadas de "revista", que foram levadas à cena pelo teatro popular da Marinha Grande e que, por isso, representam um grande contributo para a expansão daquela atividade que se notabilizaria durante muitos anos.
A partir desta experiência, através do espírito artístico de Ilídio Duarte de Carvalho, aparece uma outra peça teatral na Marinha Grande, sob a forma de opereta, já muito bem elaborada em termos técnicos e abordando temas puramente regionalistas e populares Essa primeira peça apresentada pelo ilustre autor, intitulava-se "Coisas da Minha Terra", de grande fervor bairrista, foi representada pelo Grupo Cénico dos Bombeiros Voluntários da Marinha Grande, no Teatro Stephens, em Março de 1923.
Em "A Ceia dos Durázios", o trabalho que se seguiu, o autor experimenta a sátira ao trabalho de Júlio Dantas ("A Ceia dos Cardeais"), parodiando, no pequeno texto, a avançada idade dos príncipes da igreja.
Como músico, Ilídio Duarte de Carvalho, que tocava habilmente a guitarra, participou na "Tuna da Fábrica Marquês de Pombal" e fez parte ainda da "Serenata Marinhense", num momento muito importante para o desenvolvimento desta faceta artística na Marinha Grande.
Como figura pública que era, Ilídio de Carvalho foi ainda Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal da Marinha Grande, de Janeiro a Junho de 1908.
Faleceu na Marinha Grande, em 9 de Março de 1925.
Texto de Gabriel Roldão (adaptado)