PRAÇA GUILHERME STEPHENS

Quando foi feita a primeira atribuição de topónimos na freguesia da Marinha Grande de forma organizada, em 18 de Julho de 1900, foi dado o nome de Stephens à principal Praça da vila.

Ao considerar-se, finalmente, que era necessário acrescentar ao topónimo uma formação mais completa, decidiu a Câmara Municipal em 17 de Julho de 2003, por proposta da então Comissão de Toponímia, que a referida Praça se passaria a chamar Guilherme Stephens.

Em 1941, os trabalhadores da Fábrica Nacional decidiram prestar homenagem a Guilherme Stephens, o grande impulsionador da Indústria Vidreira na Marinha Grande, através da edificação de um busto em bronze, da autoria do escultor Luís Fernandes.Guilherme Stephens nasceu em Cornwall (Inglaterra) em 1731, filho de Oliver Stephens.

Nos registos está considerado como filho ilegítimo, por ser filho de pais solteiros, não se conhecendo o nome de mãe. Sabe-se, entretanto, que o pai se casou em 1763.

Passou a sua primeira infância em Cornwall e depois foi estudar para Exeter durante 3 anos.

Em 1746 já se encontrava em Lisboa, trabalhando como aprendiz, no estabelecimento de seu tio, John Stephens, que era ao tempo mercador em Lisboa. Três anos mais tarde, John Stephens faliu e o jovem Guilherme estabeleceu uma sociedade com um amigo, como agentes de um mercador inglês que se tinha retirado de Lisboa para Londres. Em 1752, mantinha negócios de milho com a Inglaterra.

Foi nesse ano que soube da morte de seu pai e da miséria em que viviam a mãe e quatro irmãos. A mãe acabou por falecer em Exeter em Setembro de 1755.

Após o desenlace da mãe, Guilherme teve problemas com o destino dos seus irmãos que não conhecia. Sabe-se que Lewis (Luis) Jedidiah (Jedá) e Filadélfia ficaram aos cuidados da sua família, em Inglaterra, enquanto John James (João Diogo) era internado como órfão indigente no Christ's Hospital em Londres que no tempo, era uma escola para crianças órfãs de boas famílias, que não tinham quem garantisse o seu sustento e educação.

Passado o período de exploração da Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande por John Beare, sobre as ruínas dessa "Fábrica Velha", é reconstruída a manufatura por obra do Marquês de Pombal.

Lisboa tinha sido devastada por um mortífero terramoto em 1 de Novembro de 1755 e o Ministro do Reino, no desenvolvimento do seu plano de instalação de indústrias em Portugal, ordenou que se estudassem as razões do encerramento da Real Fábrica de Vidros de John Beare, na Marinha Grande e, ao mesmo tempo, se planeasse a possibilidade de recomeçar a produção dos vidros nas velhas instalações então abandonadas.

A necessidade de se produzir todo o tipo de materiais de construção para reedificar a cidade de Lisboa obrigava a tomar medidas inovadoras para o país, que aproveitaram para desenvolver a nossa capacidade industrial.

É então, entre 1756 e 1762, que Guilherme Stephens se dedica à exploração de uma indústria, de aparente oportunidade naquele tempo, que consistia na produção de cal para fornecer ao Estado para a recuperação da cidade devastada

Mantinha assim, em produção na zona de Alcântara, vários fornos de cal alimentados a carvão importado da Inglaterra. Começa esta produção em 1757 embora a reconstrução de Lisboa só se inicie mais tarde. Este negócio iria criar-lhe alguns problemas financeiros. Os fornos tinham sido construídos com um empréstimo do Rei mas os fornecimentos de cal não se faziam ao maior cliente previsto, que seria o Estado, por tardar o início das obras de reconstrução da cidade.

É neste ano de 1757 que Guilherme Stephens recebe a notícia que seu irmão João Diogo tinha completado o período de estadia no já referido Christ's Hospital e que, logo que possível, lho iriam enviar para Lisboa. Percebe-se que seria um acumular de preocupações para ele, porque a vida não lhe corria tão bem como desejava. Para surpresa de Guilherme Stephens, em Abril de 1762, chegam a Lisboa não só o seu irmão João Diogo como também todos os restantes irmãos e a irmã Filadélfia. Foi um terrível momento para ele, porque seria obrigado, nesse ano, a encerrar os limos de Alcântara e, sem dinheiro para pagar as dívidas, vê todos os seus bens confiscados. Foi forçado a recorrer à caridade dos muitos amigos durante os dois anos seguintes.

Em 1764, terminam os obstáculos à reconstrução da cidade de Lisboa e as obras começam finalmente. Guilherme Stephens corre a acender os fornos de cal e começam os fornecimentos ao Estado de toda a sua produção. Porém, as dificuldades financeiras do governo de Sebastião José de Carvalho e Melo continuariam a complicar a vida do industrial, com constantes atrasos nos pagamentos.

Provavelmente com a intenção de suplicar o seu dinheiro, Guilherme Stephens é levado à presença do Marquês de Pombal pela mão do seu amigo e Secretário de Estado, Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Nesse encontro, Sebastião José de Carvalho e Melo teve a ideia de propor a Guilherme Stephens, talvez como compensação, o recomeço da produção de vidros na Real Fábrica da Marinha Grande.

Stephens, homem inteligente e perspicaz observador, defendeu-se de tal tarefa alegando que já várias tentativas de produzir vidros em Portugal tinham falhado e que por isso, ir para a Marinha Grande seria uma aventura muito arriscada.

O Marquês não era pessoa para desistir facilmente dos seus objetivos e propõe a Guilherme Stephens que aceite a proposta contra a cedência de um empréstimo, por parte do Estado no montante de 32 contos de réis, a garantia de privilégios especiais relativamente à aquisição de todas as terras que fossem necessárias, e ainda o fornecimento gratuito de todas as lenhas vindas do Pinhal Real, que fossem necessárias para a laboração dos fornos.

Aceites estas condições, o empréstimo é motivo de um Instrumento de Obrigação, assinado em 21 de Julho de 1769. Este documento é sequente ao Alvará Real do dia 7 do mesmo mês e ano, que, nas condições gerais, determina o pagamento desta dívida num prazo de 15 anos, em prestações anuais de 4 contos de réis, a partir do quarto ano da dívida.

E foi nestas condições que Guilherme Stephens chegou à Marinha Grande, no dia 5 de Agosto de 1769. Em 19 de Outubro desse mesmo ano, depois de remodeladas as instalações abandonadas por John Beare, envia uma carta ao Marquês de Pombal informando que tinha iniciado a produção de vidraças.

Pelo curto prazo que mediou a data de assinatura do referido instrumento e data da carta enviada ao Marquês de Pombal, é percetível que teriam sido poucas as obras de adaptação da velha fábrica que John Beare abandonou em 1767 por motivo de falência, de modo a serem criadas condições para se reiniciar a produção. Por isso, se pode deduzir que Guilherme Stephens terá aqui encontrado instalações ainda em razoável estado de conservação, não tendo também encontrado dificuldades em conseguir arranjar trabalhadores especializados na indústria de vidro, que, na Marinha de Nossa Senhora do Rosário, se mantinham dedicados aos trabalhos da floresta, após o encerramento da "Fábrica Velha".

Logo após ter posto a fábrica a trabalhar, regressa a Lisboa, onde compra umas terras para construir a sua casa e instalar um vasto armazém para os produtos da Real Fábrica.

A transformação que impõe na freguesia da Marinha é por demais evidente nas mais variadas vertentes.

O povoamento da Marinha, que já se tinha desenvolvido em redor da Real Fábrica John Beare, cresce ainda mais, ao que parece, à volta do chamado "centro" que se situaria onde hoje se encontra o que resta da velha fábrica J. Ferreira Custódio & C.. "A Central", assim chamada por se encontrar no verdadeiro ponto central da urbe. A aquisição do "Arneiro", local que depois de vedado com muros se passou a chamar de "Cerca", o Casal da Lebre e Casal de Malta foram as principais propriedades tomadas por Guilherme Stephens em Novembro de 1769, ao abrigo do já citado alvará mandado passar por D. José I. Nessas propriedades, muito especialmente no Casal da Lebre, que tinha uma área de 448 hectares, foi instalada uma vasta exploração agrícola, com algum pinhal e vastas terras onde se produziam regularmente cereais. Por isso lhes chamavam "terras de pão".

Em 1772, surgem as primeiras dificuldades na Real Fábrica de Vidros. Os armazéns abarrotavam de caixotes de vidro que não se vendiam ao ritmo da produção. O Governo continuava a permitir a importação de vidro da Europa com preços mais competitivos, embora de pior qualidade, e essa medida prejudicava o desenvolvimento da Real Fábrica da Marinha Grande.

É a partir desta grave situação que Guilherme Stephens faz uma petição ao Governo para que fossem atribuídas pesadas taxas alfandegárias aos vidros importados, de modo a que a concorrência não se faça. Homem muito considerado junto do Governo e com amigos que o apoiavam, como foi exemplo o Marquês de Pombal, conseguiu que a sua petição fosse atendida e, a partir desse momento, a produção de na Marinha era considerada como um monopólio.

Mesmo após o falecimento de D. José I, em 27 de Fevereiro de 1777, quando se pensava que Guilherme Stephens, invejado por muitos, seria arrastado pela queda política do Marquês de Pombal, isso não aconteceria.

D. Maria I, que sucedeu a seu pai após o seu falecimento, tinha grande antipatia por Sebastião José de Carvalho e Melo, antipatia essa criada por influência dos inimigos do Marquês, palacianos e membros da corte. E não perdeu tempo, demitindo-o de todos os seus cargos de governo, ordenando-lhe mesmo o exílio para Pombal. Já velho e cansado de quarenta anos de serviço à coroa, faleceu a 8 de Maio de 1782.

Contra a opinião e vontade dos inimigos de Guilherme Stephens, a chegada de D. Maria I ao poder não afetou em nada o seu percurso industrial junto da Real Fábrica de Vidros da Marinha. É precisamente nesse momento que os méritos do inglês são confirmados por D. Maria I, ao ordenar que se fizesse um novo alvará, nesta altura já a favor de Guilherme e de seu irmão João Diogo, confirmando todos os privilégios do anterior documento e ampliando-o com mais alguns benefícios a favor da sociedade.

Superior às críticas que lhe eram infligidas pelos inimigos, Guilherme Stephens chegou mesmo, por várias vezes, a visitar o Marquês de Pombal no seu exílio, assim como, sua irmã Filadélfia que, por esse tempo, já vivia na Marinha Grande com o irmão. Filadélfia tinha-se tornado amiga da esposa do Marquês e até chegou a traduzir as cartas que, regularmente, ele recebia dos seus amigos em Inglaterra. Guilherme era um cumpridor reconhecido, pois tinha pago atempadamente todas as prestações do empréstimo de 32 contos de réis, para além de demonstrar, pelo seu trabalho, ser um hábil empresário ao conduzir a Real Fábrica pelos caminhos do progresso.

A sua obra como notável industrial, que soube criar riqueza e estabilidade no emprego, foi o grande impulso para o desenvolvimento da freguesia da Marinha Grande, não só pela criação de trabalho, como ainda pela invulgar escola que criou para os seus operários. As artes e o ensino ofereceram ao povo o acesso às mais modernas técnicas da exploração agrícola, ao ensino das primeiras letras, do teatro à música e às atividades de carácter social.

Em 1777, seu irmão João Diogo era já sócio na fábrica dos vidros e tinha responsabilidades comerciais que se prendiam com a venda da produção na cidade de Lisboa, ao mesmo tempo que administrava os fornos de cal em Alcântara, que continuavam a produzir. João Diogo que tinha nascido a 29 de Janeiro de 1748, era ainda um jovem e já demonstrava raras qualidades como administrador.

Os outros irmãos de Guilherme, o Luís e o Jedá, retornaram à Inglaterra, pouco mais se sabendo deles. Luís decidiu adotar dois filhos de um primo chamado John Lyne, ou seja, o mesmo que lhe tinha dado abrigo quando a mãe faleceu. Por curiosidade, nenhum dos irmãos se casaria e, por isso, não houve descendentes diretos. Dos dois meninos adotados soube-se mais tarde que o mais velho, chamado Charles, visitou Lisboa em Maio de 1778. A seu tempo seria o herdeiro testamentário do tio João Diogo, o qual negociaria, em 1827, a entrega da fábrica ao Estado.

O testamento de Guilherme Stephens, feito em 29 de Março de 1801, deixa todos os seus bens na Marinha Grande ao sobrevivo João Diogo Stephens e, na falta deste, a sua irmã Filadélfia Stephens.

Guilherme Stephens, terá falecido em Maio de 1803, sem que se saiba se em Londres ou em Lisboa.

Texto de Gabriel Roldão (adaptado)

Create your website for free! This website was made with Webnode. Create your own for free today! Get started